O que falta para a simulação industrial ser a regra nos projetos de manufatura?

Na última reportagem da série Simulação na Manufatura Inteligente, a repórter especial do Ind4.0 mostra como a compreensão do quanto deve ser investido no uso de softwares de simulação ainda é um desafio dentro da indústria

Por: Caroline Passos/ Especial CIMM & Ind40      Exclusiva 31/07/2023 

O desenvolvimento da indústria pode ser acelerado com o uso de simulação industrial. Mas ainda há um longo caminho para que a solução torne-se cada vez mais comum na manufatura. Em parte, especialistas acreditam que há desafios básicos a serem vencidos, como o valor reservado para investimentos em tecnologia e o conhecimento a respeito dos benefícios que softwares de simulação agregam em todos os processos industriais.

Porém, esse cenário tem mudado nos últimos anos. Estima-se que até 2026, 30% das organizações no mundo desenvolverão serviços para o Metaverso, tecnologia capaz de criar um ambiente digital imersivo em que os usuários podem interagir com máquinas e outros cenários usando óculos de realidade aumentada. A previsão do Gartner, consultoria global especializada em aconselhamento para empresas, revela que a criação e uso de softwares que simulam condições reais será cada vez mais explorado no mercado, inclusive na indústria.

Rafael Alves, responsável pela área de Digitalização da Siemens, avalia que a tecnologia está avançando constantemente e atendendo dores de diferentes setores da indústria. Com isso, os custos também têm reduzido nos últimos anos. Para ele, a maior dificuldade está em as empresas compreenderem o potencial da tecnologia e também terem conhecimento das inúmeras possibilidades de usar a simulação industrial a seu favor.

"O que vejo hoje é a questão do protagonismo da indústria para adequar isso à sua usabilidade. Por exemplo, o treinamento virtual de operadores é algo que hoje é totalmente viável e possível de ser feito. As simulações são um bom começo para muitas indústrias, mas poucas adotam essa possibilidade de treinamento virtual", exemplifica Alves.


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Na visão do responsável pela área de Digitalização da Siemens, o treinamento virtual, além de melhorar as condições de segurança e garantir que os protocolos sejam cumpridos, contribui para que o uso da tecnologia se torne comum desde o chão de fábrica. "Enxergar o valor das simulações em si, como começar a implementar esses projetos, ajuda que a empresa perceba o valor que a simulação industrial tem para reduzir o risco dos operadores e do uso dos equipamentos, por exemplo. Além de melhorar o processo de operação, isso faz parte do start para iniciar a jornada de digitalização", afirma Alves.

Inclusão da tecnologia aos poucos

A jornada de digitalização da indústria é um processo que deve ser planejado e ocorrer aos poucos. Na prática, um treinamento virtual seria uma forma de introduzir softwares de simulação no contexto de uma empresa. Para o desenvolvimento de uma capacitação, por exemplo, é desenvolvida a planta do parque industrial e os dados gerados durante as simulações geram insights importantes que podem otimizar ainda mais a operação.

"É possível utilizar toda essa tecnologia digital para simular e otimizar processos. Outro exemplo é a parte de testar equipamentos e componentes, como uma suspensão ou qualquer outra parte mecânica ou elétrica de um veículo. São várias formas de como podemos utilizar os Gêmeos Digitais ou as simulações na prática", complementa.

Os Gêmeos Digitais são utilizados em aplicações, como documentação, criação e manutenção de plantas e desenvolvimento de produtos. Esse sistema que cria modelos de componentes, equipamentos e processos em um ambiente digital possibilita um ciclo contínuo de retroalimentação entre o mundo real e o software.

Os dados gerados nos dois ambientes permitem a correção de erros, reavaliação de produções e até mesmo implementação de novos processos. Na prática, o custo-benefício do uso da tecnologia é maior do que testar um modelo físico ou iniciar uma produção para realizar a testagem depois.

Percepção do custo-benefício

A compreensão do quanto deve ser investido no uso de softwares de simulação ainda é um desafio dentro da indústria. No entanto, as empresas de tecnologia têm trabalhado em projetos cada vez mais adaptáveis à realidade de cada cliente. Outro ponto é que a implementação é acompanhada pelos fornecedores garantindo que os sistemas sejam utilizados em todo seu potencial.

"A simulação pode ser feita e é acessível, mas a indústria ainda tem um pouco de desafio em enxergar o valor e o retorno de investimento. Um dos pontos importantes é entender o que o cliente precisa para aquele momento. Não é só dizer qual é a melhor ferramenta para ele, mas entender o que ele precisa. Por exemplo, temos clientes que começamos a ajudar com um desafio de manutenção de equipamentos. Nesse momento, entendemos que eles precisam de uma engenharia digital de documentação. Outros precisam de uma simulação de evacuação de uma planta. A tecnologia com propósito é aquela que o cliente precisa para aquele momento", completa o especialista da Siemens.

O que é necessário para o desenvolvimento no Brasil

O avanço no desenvolvimento em inovação dentro da simulação industrial brasileira também depende do fomento de pesquisas e da aproximação de empresas com academias. Startups, por exemplo, conseguem entregar soluções que complementam softwares de grandes players do mercado, mas, por serem menores, precisam de mais investimento para conseguir desenvolver novas tecnologias. É o caso da Infinite Foundry que desenvolve uma plataforma de planta digital 3D para melhorar a eficiência de produção no setor industrial.

Um dos fundadores, Bruno Eisinger, conta que a empresa atua no Brasil e em Portugal. Ele percebe que há poucas diferenças entre as infraestruturas necessárias para projetos de simulação industrial, como a disponibilidade do 5G entre outros fatores técnicos. Porém, acredita que o mercado poderia ser ainda mais competitivo em soluções caso houvesse mais investimento em pesquisa.

"Se olharmos para alguns dos grandes players do mercado 4.0, não veremos quase nenhuma diferença entre o que está sendo aplicado aqui no Brasil e o que se aplica na Europa, principalmente na área industrial. As soluções daqui são tão boas quanto as soluções que vemos lá fora, às vezes até melhores. A diferença é que lá fora há uma oferta muito maior de projetos financiados, pesquisa e desenvolvimento, o que suporta empresas como a nossa para um avanço mais rápido. Aqui, temos que brigar um pouco mais, mas com relação à tecnologia, por exemplo, temos conseguido levar projetos do Brasil para fora sem nenhum problema", completa Eisinger.

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O professor Enzo Morosini Frazzon, doutor em Engenharia de Produção pela Universidade de Bremen e coordenador do Laboratório de Sistemas Produtivos e Logísticos Inteligentes da UFSC (ProLogIS), acrescenta ainda que as pesquisas no Brasil são necessárias para que a tecnologia resolva problemas adequados à realidade do Brasil. Comparando os países, ele percebe que a diferença salarial média entre eles impacta também na necessidade de automação exigida pelo mercado.

"Durante meu doutorado na Alemanha e um dos meus pós-doutorados na Itália, tive interações nos Estados Unidos. Em geral, notei que nesses países os salários são mais altos, o que leva a uma maior necessidade de automação e redução de mão de obra. Isso resulta em um uso mais frequente de simulação para estudar projetos de automação. No Brasil, usamos a simulação para resolver problemas muito relevantes, mas diferentes dos problemas enfrentados em países com mão de obra mais cara. Por exemplo, há estudos sobre como a instalação de uma ferramenta de comunicação em tempo real entre diferentes setores de uma empresa impactaria na eficiência geral do sistema produtivo. Esse tipo de estudo não tem como objetivo reduzir custos trabalhistas, mas sim melhorar o fluxo de informação e reduzir desperdícios, alinhado aos princípios da produção enxuta", explica Frazzon.

Diante disso, os especialistas acreditam que um cenário de colaboração envolvendo grandes empresas, startups e universidades contribuirá para que a simulação torne-se regra dentro da indústria. As soluções desenvolvidas no Brasil já são competitivas e adaptadas à necessidade de mercado. O que falta ainda, na opinião de quem atua na área, é o desenvolvimento da cultura de digitalização e um olhar mais apurado sobre os benefícios da tecnologia.

*Imagem de capa: Depositphotos

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