Tradicionalmente, no setor industrial, a experimentação ocorre de forma paralela à operação, com protótipos sendo testados em ambientes controlados e, só depois, levados à linha de produção. Essa distância entre solução e problema pode causar interrupções prolongadas que, de acordo com a análise da consultoria McKinsey, são capazes de eliminar entre 30% e 50% do EBITDA (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) anual de empresas na maioria dos setores.
É com este cenário como pano de fundo que o artigo “IA Generativa Aplicada a Gêmeos Digitais: Rumo à Melhoria de Sistemas Inteligentes na Indústria” introduz o conceito de On-Industry Experimentation (OIE), modelo que propõe uma ruptura ao integrar a pesquisa e o desenvolvimento diretamente nos ambientes produtivos, permitindo que testes, simulações e ajustes sejam realizados em tempo real, num ambiente de Inovação Aberta, suportada por tecnologias habilitadoras da Indústria 4.0. A abordagem reduz o tempo entre concepção e aplicação, acelera os ciclos de inovação e torna os processos mais responsivos às demandas e às variáveis da operação real.
Produto da intersecção entre gêmeos digitais (Digital Twins - DT) e inteligência artificial generativa (Generative Artificial Intelligence - GAI), o artigo traz a proposta do modelo ciberfísico “Conceptual Framework for Intelligent Systems in On-Industry Experimentation (IXIS)” que oferece o arcabouço tecnológico para a aplicação do On-Industry Experimentation. Essa estrutura integra diversas camadas funcionais — dos ativos físicos aos algoritmos de inteligência artificial — para criar um ambiente de experimentação industrial contínua, representando uma evolução estratégica na forma como se concebe, testa e aprimora sistemas produtivos.
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Desenvolvido como base estrutural para a chamada Organização Industrial Estendida (OIE), na prática, o IXIS viabiliza um fluxo dinâmico de informações entre o mundo físico e o virtual, em que soluções podem ser simuladas, validadas e ajustadas antes de serem aplicadas à produção real. Dessa forma, a aplicação dessa estrutura não apenas reduz custos e riscos, como também acelera os ciclos de inovação.
Entre as principais características do modelo ciberfísico, se destacam: a arquitetura de integração multicamadas que conecta sensores IoT, dispositivos industriais, gêmeos digitais e modelos de inteligência artificial em um ecossistema interativo e dinâmico; a predição e o diagnóstico potencializados por modelos de IA preditiva e modelos de linguagem especializados, capazes de identificar padrões operacionais, antecipar falhas e gerar recomendações estratégicas; e a interatividade humano-máquina que permite que operadores e engenheiros ajustem parâmetros e analisem os resultados em tempo real por meio de interfaces intuitivas. Além disso, o IXIS oferece simulação e validação virtual com alta fidelidade, permitindo que soluções sejam testadas em ambientes digitais que replicam os processos físicos, garantindo segurança, agilidade e precisão na tomada de decisões.
Assim, na busca por eficiência operacional, um dos cenários mais promissores para aplicação da estrutura IXIS está na otimização de linhas de produção. De forma ilustrativa, pensemos em uma fábrica que enfrenta gargalos constantes em sua linha de montagem. Com sensores IoT monitorando cada etapa do processo, a camada física coleta dados em tempo real sobre tempos de ciclo e desempenho das máquinas. Esses dados alimentam um gêmeo digital constantemente atualizado, permitindo que a camada de IA generativa (GAI) simule múltiplas configurações da linha — como reorganização de estações ou mudanças na sequência de tarefas. Com relatórios simplificados gerados por modelos de linguagem especializados (SLMs), os engenheiros podem testar virtualmente os cenários, analisar o impacto nos indicadores de produtividade e, com um clique, aplicar a melhor configuração no ambiente real, aumentando a eficiência e reduzindo perdas operacionais.
Outro caso ilustrativo é a manutenção preditiva em instalações industriais de grande porte. Equipamentos críticos são constantemente monitorados por sensores que capturam dados como temperatura, vibração e corrente elétrica. Esses dados alimentam tanto a camada de controle quanto os gêmeos digitais dos equipamentos. A partir daí, modelos de GAI especializados analisam padrões históricos e dados em tempo real para prever falhas iminentes, inclusive simulando condições raras com dados sintéticos gerados por redes adversariais (GANs). Os SLMs transformam essas análises em alertas claros e relatórios de fácil interpretação, possibilitando que a equipe de manutenção antecipe intervenções com base em informações precisas. O resultado se consolida com menos paradas inesperadas, maior longevidade dos equipamentos e redução significativa nos custos operacionais.
Apesar do potencial em promover avanços expressivos em produtividade, segurança e sustentabilidade, a adoção do IXIS enfrenta desafios técnicos e culturais significativos. A escalabilidade dos sistemas, a confiabilidade dos modelos de IA generativa, a necessidade de governança de dados e a falta de padronização ainda são obstáculos para uma implementação ampla e eficaz. Além disso, é preciso garantir que as decisões baseadas em IA sejam explicáveis e auditáveis, um requisito crucial em setores industriais críticos.
Dessa forma, para que o potencial do conceito de On-Industry Experimentation seja plenamente realizado, será necessário um esforço conjunto entre academia, indústria e órgãos reguladores, em prol de soluções que combinem desempenho técnico com transparência e confiança. O aprimoramento das técnicas de integração e otimização dos fluxos de experimentação industrial continuará sendo um fator determinante para o sucesso da Indústria 4.0.
A consolidação do On-Industry Experimentation representa mais do que uma simples evolução tecnológica, trata-se de uma mudança profunda no modo como as indústrias pensam e praticam inovação. Ao transformar o próprio chão de fábrica em um espaço de experimentação contínua, o modelo rompe com a lógica linear e compartimentalizada da P&D tradicional, tornando o processo de inovação mais ágil, responsivo e conectado à realidade operacional. O IXIS, enquanto estrutura tecnológica dessa proposta, materializa esse novo paradigma ao viabilizar ciclos de teste, aprendizado e aplicação em tempo real.
*Imagem de capa: Depositphotos.com
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