42% das iniciativas de IA na América Latina, em 2020, são do Brasil

Novo estudo da everis e da Endeavor constatou que o uso das tecnologias de Inteligência Artificial cresceu de 32%, em 2018, para 48%, em 2020, de acordo com o Índice de Nível de Inovação e Crescimento IA (INICIA), uma metodologia desenvolvida pela everis, que avalia vários critérios, como ano de fundação, grau de maturidade das empresas, volumes de vendas, empregos gerados e investimentos recebidos, entre outros. No Brasil, onde está concentrado o maior número de empresas de IA da região (42% do total), o número de empresas de IA se expandiu de 120, em 2018, para 206 empresas, em 2020.

Segundo o estudo O impacto da Inteligência Artificial (IA) no empreendedorismo da América Latina, a expansão da adoção e uso de IA está em seu maior ponto de inflexão, com um mercado previsto de US$ 70 bilhões para 2020 e com uma Taxa de Crescimento Anual de 38% para o período 2018-2022. 

“Essa tendência de ampliação do uso de IA no novo cenário global torna essa tecnologia vital para o desenvolvimento de empresas e países, porque viabiliza a automação e gestão eficiente das operações e do atendimento aos clientes onminchanel, resultando em benefícios econômicos e sociais indiscutíveis. Diante deste cenário, pensamos ser fundamental conhecer o ecossistema de IA na região para contribuir para sua constante inovação e crescimento”, afirma Evandro Armelin, diretor de Data & Analytics da everis Américas.

Nesta edição de 2020, a everis e a Endeavor entrevistaram 136 das 490 empresas identificadas em países da América Latina, como Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Equador, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, para averiguar o crescimento do segmento de IA.

A expansão do mercado de IA foi constatada também pelo volume de vendas dos empreendedores latino-americanos, que a Endeavor Intelligence calcula ser em torno de US$ 4,2 bilhões, e do montante de investimentos que receberam, em torno de US$ 2,2 bilhões, bem como pela geração de 38 mil empregos. Apesar do crescimento robusto, o desenvolvimento de IA ainda está em fase inicial na região.


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Os principais indicadores da falta de maturidade são o fato de 55% dos empreendedores terem fundado suas empresas entre 2014 e 2017, ou seja, estarem há poucos anos no mercado; bem como o investimento médio recebido ainda ser baixo, por volta de US$ 528 mil, e ainda utilizarem técnicas de machine learning tradicional, sendo que o uso de deep learning ainda é minoritário.

Do ponto de vista financeiro, 61% das empresas pesquisadas receberam investimento de uma ou várias fontes, sendo 49% de capital semente, 23% de investidores anjos e 18% de rodadas de investimentos diversos. Outro aspecto que denota baixa maturidade é apontado no Artificial Intelligence Index Report 2019, de Stanford, no qual é informado que apenas 0,2% das citações em patentes e 1,7% dos artigos publicados em revistas científicas relativos à IA no mundo vêm da América Latina e que a região conta com menos de 0,5% dos investimentos privados nessa tecnologia.

“Nos últimos 10 anos, o acesso à internet na região atingiu 68% da população, ou seja, 453 milhões de pessoas conectadas. Essa expansão da conectividade serve como catalizador para impulsionar a adoção da IA na região, na qual existem milhões de usuários se beneficiam hoje do uso de plataformas de e-commerce, fintechs, micro mobilidade, ride hailing, grocery e food delivery. Por outro lado, persiste o receio de perdas de postos de trabalho tradicionais e de fracassos nos negócios, que ainda dificulta o aumento das iniciativas de IA”, aponta Armelin.

Participação em novos setores e modelos de negócios

De fazendeiros que usam drones para monitorar a saúde das suas lavouras até lojas que usam chatbots para atender os clientes, o uso da IA cresceu em vários setores econômicos e vem contribuindo para o surgimento de novos segmentos de negócios impensáveis há alguns anos. De acordo com o estudo, a adoção de IA é mais ampla no segmento de Enterprise Software & Services (39% da amostra), seguido por Commerce & Retail (12%), Healthcare (7%), Financial Services (7 %) e Marketing (7%). Outros setores, como Educação, Agricultura, Infraestrutura, Entretenimento, Transporte e Logística, também viram inovações significativas com sua implementação ​​em vários aspectos.

Para tornar o estudo mais assertivo, a everis e a Endeavor dividiram as aplicações em Core IA e non-CORE IA, conforme a adoção da tecnologia em seu core business ou áreas de apoio. “Segundo esse critério, 40% dos empreendimentos latino-americanos são classificados como Core AI, por oferecerem a tecnologia como parte de sua proposta comercial, enquanto os outros 60% usam IA em seus processos produtivos para gerar eficiência”, informa Armelin.

Lluis Quiles Ardila, diretor de Inteligência Artificial da everis Brasil, acrescenta que, como observado no estudo anterior de 2018, as aplicações de IA mais comuns continuam sendo Business Intelligence & Analytics (20%), Automated Machine Learning (15%) e Text Analysis/Generation (11%). Das técnicas utilizadas, o uso mais abrangente é a classificação (54% dos casos), seguido da previsão (49%) e do processamento de linguagem natural (42%).

“A grande maioria das empresas latino-americanas (86%) têm desenvolvimento próprio de IA, baseado em frameworks de terceiros – com destaque para Google TensorFlow, Amazon Web Services, PyTorch e Microsoft Cognitive Toolkit. As demais utilizam IA adquirida. Isso mostra que o ecossistema colaborativo criado pelas Big Techs é um dos pilares da atual evolução de IA, grande número de startups e empreendedores dedicados a IA se tornam em participantes e podem algum dia despertar o interesse das grandes empresas de tecnologia”, comenta Quiles.

Desafios das empresas de Inteligência Artificial na América Latina

O estudo também verificou que os grandes desafios dos empreendedores de IA, apesar de todo seu progresso no mercado nos últimos anos, continuam sendo os mesmos:

  • Escassez de talentos - o fenômeno de brain drain, quando pesquisadores e professores deixam seus cargos para trabalhar nas Big Tech, desafia a geração de talentos nas universidades. A desconfiança em relação aos desenvolvedores locais e a precária retenção de talentos por empresas diante dos concorrentes das Big Tech continua atormentando o ecossistema.
  • Adoção da tecnologia - o desconhecimento, as incertezas e, às vezes, as expectativas pouco realistas sobre IA por parte dos clientes impedem a adoção abrangente.
  • Ausência de políticas públicas construtivas - os governos não investiram suficientemente no desenvolvimento de empreendedores nem na educação tecnológica. Em termos de proteção de dados e privacidade, não existe um modelo latino-americano baseado em princípios de confiança, segurança e direitos fundamentais em relação ao uso da IA.

Existem ainda outros desafios para o desenvolvimento e adoção de IA em maior escala, com a necessidade de avaliação constante das vantagens e desvantagens da automação, comparada à importância da intervenção humana, apontada por 38% dos empreendedores, bem como de precisão versus explicação, se é possível conseguir resultados mais precisos por meio de técnicas menos explicáveis ou vice-versa para 29% dos empreendedores.

“Hoje, há também uma atenção especial de proteção de dados versus conveniência, pois grandes quantidades de dados podem melhorar a precisão, mas isso pode afetar os direitos de privacidade das pessoas. Por outro lado, não considerar certo tipo de dados pode fazer com que o sistema seja mais justo, mas menos preciso”, comenta Quiles.

Perfil dos empreendedores e suas equipes

Além dos dados empresariais, em 2020, a everis e a Endeavor também analisaram em profundidade o capital humano do segmento de empreendedores e IA, por ser um dos maiores desafios identificados tanto pelos fundadores como por suas equipes. Nessa imersão, constataram que um empreendedor típico de IA funda sua empresa aos 29 anos de idade, depois de cinco trabalhos e dois empreendimentos anteriores, o que garante a 79% deles experiência em cargos de diretoria e gerência. As carreiras mais cursadas por ele são Negócios (21%), Ciências da Computação (15%) e Engenharia (10%). Outro fato é que 41% fizeram pós-graduação.

Por outro lado, ao verificar o perfil dos 560 ex-colaboradores das empresas de IA para analisar os padrões de rotatividade do segmento, o estudo descobriu que os profissionais de IA têm, em média, 30 anos de idade, estudaram Engenharia de Sistemas na graduação, tiveram cinco cargos anteriores e trabalharam cerca de 13 meses em cada cargo, tendo entre as certificações mais populares as de programação (51%), Big Data (13%) e Machine Learning (11%). “Infelizmente, o desequilíbrio de gênero é evidente e igualmente importante em ambos os casos – apenas 8% dos empreendedores e 15% dos ex-colaboradores são mulheres”, alerta Armelin.

De acordo com os parâmetros do nível de emprego gerado pelas empresas, o estudo catalogou ainda as 490 empresas de IA latino-americanas por porte: 44,5% delas (218) são micro, com no máximo 10 colaboradores; 35,3% são pequenas (173), tendo de 11 a 50 funcionários; 16,9% médias (83), com no máximo 250 profissionais; e só 3,3% são grandes (16), tendo mais de 250 pessoas na equipe. Apesar de formar quase a metade da amostra, as 218 microempresas do ecossistema geram apenas 911 empregos (2% do total), enquanto as grandes são responsáveis pela maioria dos empregos (63%), com 23.909 colaboradores. Esta tendência se repete em termos de vendas, capital arrecadado e produtividade. O Brasil é uma exceção, pois em nosso mercado, uma empresa média gera cerca de US$ 375.000 em vendas.

“Ao olhar para o futuro, a incerteza é a regra e a inovação precisa ser constante, pois o desenvolvimento da IA exige apoio colaborativo do mundo empresarial, do setor público e da sociedade civil. Isso porque é necessário incentivar as instituições de ensino a fortalecer e ampliar a oferta de programas técnicos e especializações em IA. As empresas, por sua vez, devem desenvolver seus próprios pipelines de talentos e investir em capacitações e certificações para suas equipes”, acredita Quiles. Ele ressalta ainda que, simultaneamente, as empresas devem investir em Pesquisa e Desenvolvimento para gerar mais soluções inovadoras, enquanto os outros atores – sociedade civil, instituições, administrações públicas – trabalham em conjunto para divulgar e sensibilizar o mercado sobre o potencial e os benefícios econômicos e sociais de IA.

Para Armelin, com conhecimento adequado e uma rede de colaboração serão eliminadas as barreiras para a adoção de IA e motivando o governo a conceber um marco regulatório robusto, que facilite o acesso aos dados públicos para o desenvolvimento de algoritmos e soluções de IA, ao mesmo tempo em que garanta a segurança e privacidade dos dados pessoais, algo fundamental em função da Lei de Proteção Geral de Dados (LGPD).