Governo prepara programas para desenvolver cadeia de autopeças com Rota 2030
Recursos que eram recolhidos como imposto de importação de componentes agora vão financiar projetos
28/08/2019Recursos que eram recolhidos como imposto de importação de componentes agora vão financiar projetos
28/08/2019Estão em fase final de gestação no governo seis programas de desenvolvimento da cadeia de autopeças e sistemas com recursos do Rota 2030, que devem ser formalmente anunciados até o fim de setembro próximo, dando início ao trabalho conjunto de empresas e instituições de fomento à pesquisa, que terão cinco anos para desenvolver projetos específicos para o setor automotivo nacional, dentro de cinco linhas programáticas envolvendo ações para promover a nacionalização tecnológica de itens estratégicos, bem como capacitação e aumento de produtividade dos fornecedores do setor automotivo.
Incluído no programa Rota 2030, que entrou em vigor no início deste ano, foi criado o Regime de Autopeças Não Produzidas, que zera o imposto de importação especial de 2% (ex-tarifário, cobrado sobre componentes sem produção nacional) e estipula que esses valores sejam transferidos a PPPs, sigla de Programas e Projetos Prioritários, que serão geridos em conjunto por instituições de fomento e empresas interessadas.
A Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação (SDIC, o antigo MDIC que desde janeiro foi incorporado ao Ministério da Economia) recebeu de diferentes instituições e empresas, até o fim de abril passado, 34 propostas de programas e já foram selecionados seis pelo Conselho Gestor dos PPPs, formado por integrantes do governo da SDIC e do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC), além de representantes da comunidade científica e das associações do setor, como Anfavea, Sindipeças e AEA (Associação de Engenharia Automotiva), .
Troca de imposto por investimento em P&D
Segundo Ricardo Zomer, coordenador de Indústria Automotiva na SDIC, desde março são feitos depósitos por fabricantes de veículos e autopeças que importaram componentes no regime ex-tarifário e que são agora destinados aos PPPs. Esses fundos já somam R$ 80 milhões e estão depositados em contas do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, mas serão distribuídos pelos seis programas de desenvolvimento escolhidos assim que eles forem formalizados, no mês que vem. Depois disso, cada empresa poderá definir para quais programas de seu interesse prefere direcionar os recursos. O governo calcula que esse mecanismo deverá aportar cerca de R$ 200 milhões por ano aos PPPs, ou R$ 1 bilhão nos cinco anos de vigência dos programas, todos destinados a ampliar a competitividade e produtividade da cadeia nacional de autopeças, com projetos de nacionalização de sistemas automotivos e ações de qualificação e capacitação.
Continua depois da publicidade |
“Consideramos uma vitória esse mecanismo, que substitui o pagamento de impostos por investimentos voltados ao desenvolvimento e capacitação dos fornecedores da indústria automotiva. Isso vai incentivar a cadeia de autopeças, que não foi diretamente contemplada com incentivos no programa anterior, o Inovar-Auto (2013-2017). Hoje este é o elo mais fragilizado do setor, que agora poderá ser fortalecido com acesso a laboratórios para desenvolver tecnologias e programas de aumento de produtividade e qualidade”, disse Ricardo Zomer.
O representante da SDIC participou do painel “O Novo Regime Automotivo Brasileiro: As Soluções da Engenharia Nacional”, realizado na quinta-feira, 22, no Simea (Simpósio de Engenharia Automotiva), organizado anualmente pela AEA. Todos os demais participantes do quadro também destacaram a importância que os PPPs deverão ganhar ao longo dos próximos anos para fomentar o desenvolvimento da cadeia nacional de autopeças. A diretora do Departamento de Apoio à Inovação do MCTIC, Adriana Regina Martin, avalia que o mecanismo deverá ser replicado por outros setores, o que deve elevar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento no País.
“O programa com certeza vai alavancar a pesquisa no País com projetos demandados pelas próprias empresas, que efetivamente vão usar as soluções desenvolvidas”, afirmou Adriana Martin.
Incentivos à base da cadeia de fornecedores
Também participante do painel no Simea, José Luis Gordon avalia que os recursos do ex-tarifários de importação “vão voltar para quem mais precisa deles, pequenas e médias empresas da cadeia de autopeças que poderão aumentar sua competitividade”. Gordon é diretor de planejamento e gestão da Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), que é uma das entidades que apresentaram propostas ao Conselho Gestor dos PPPs dentro da linha programática que contempla o “aumento dos investimentos em PD&I da cadeia de fornecedores do setor automotivo”.
Possivelmente a proposta da Embrapii é uma das seis já escolhidas que serão anunciadas em setembro. Após a formalização disso, a entidade de fomento irá receber parte dos recursos destinados aos PPPs e assim apoiar diversos projetos específicos de desenvolvimento de componentes e soluções para o setor, que poderão ser distribuídos entre as 42 unidades de pesquisa e desenvolvimento espalhadas pelos País, alocadas principalmente dentro de universidades e centros de excelência.
Para os projetos considerados estratégicos, a Embrapii vai aplicar um sistema especial em que poderá financiar a fundo perdido (recursos não reembolsáveis) até 50% do desenvolvimento (em seu modelo tradicional a entidade só financia o máximo de um terço). A outra metade dos custos ficam por conta das unidades Embrapii e empresas envolvidas. Este modelo de financiamento só será aplicável a programas conjuntos entre mais de uma empresa do setor, sendo que uma delas deve necessariamente ser pequena ou startup com receita operacional bruta menor de R$ 90 milhões/ano. Fabricantes de veículos também poderão participar dos projetos financiados pela Embrapii, desde que seja em parceria com fornecedores da cadeia.
Independentemente dos PPPs do Rota 2030, a Embrapii já apoio projetos de pesquisa e inovação da indústria automotiva em diferentes áreas, como biocombustíveis, big data e inteligência artificial, tecnologias avançadas para baterias, ar-condicionado automotivo, veículos autônomos e desenvolvimento de ferramental, entre outros. “Com mais recursos do PPP poderemos aumentar nossa atuação”, destaca Gordon. Entre 2015 e 2019 a Embrapii apoiou 766 projetos de 543 empresas de diversos setores industriais, com desembolso de R$ 1,29 bilhão em programas público-privados de PD&I.
Segundo a representante do MCTIC, é justamente o modelo horizontal de financiamento de projetos que o governo quer incentivar, por isso direciona os recursos dos PPPs a instituições de apoio a pesquisa e desenvolvimento, e não diretamente às empresas. Entre os seis programas provavelmente já escolhidos pelo Comitê Gestor, além da Embrapii também existem propostas bem cotadas da Finep (agência de financiamento de projetos ligada ao MCTIC) e do Senai.
Diluição de custos e riscos
“Inovação deixou de ser um luxo e hoje é essencial para qualquer empresa. Mas mesmo as maiores corporações não dominam todo o conhecimento que precisam, por isso é fundamental buscar parcerias externas em pesquisa e desenvolvimento”, pontua José Luis Gordon, da Embrapii.
Adriano Barros, diretor de relações governamentais da General Motors, afirma que a parceria entre empresas, governo e academia “é fundamental para fazer frente a todos os desafios que a indústria automotiva enfrenta atualmente”, tendo de investir bilhões para desenvolver sofisticados sistemas de veículos cada vez mais conectados, eletrificados e automatizados.
“Hoje a indústria faz parcerias com as universidades, mas não é regra. Os PPPs do Rota 2030 fomentam essa relação e abre tecnologias para que todos possam usá-las. A indústria gasta bilhões em pesquisa e desenvolvimento e é fundamental a diluição desses custos”, defende Adriano Barros, da GM.
Barros deu um exemplo dessa relação em sua apresentação no Simea: o desenvolvimento em parceria entre GM, Senai e Embrapii de um robô batizado “snake”, por sua versatilidade parecida com a de uma cobra, que durante o processo de produção de veículos aplica com seu braço solda e selante em locais de difícil acesso, com capacidade de carregar até 15 kg e substituir até quatro robôs. “É um equipamento muito caro para ser exclusivo. Nesse caso o compartilhamento de ativos pode dar certo”, pontua.
Após ser constituído, em março passado, o Conselho Gestor dos PPPs definiu cinco linhas de programas de desenvolvimento com recursos do ex-tarifário que receberam as 34 propostas: a) incremento da produtividade da cadeia de fornecedores do setor automotivo, incluindo máquinas agrícolas e rodoviárias autopropulsadas; b) automatização de processos, conectividade industrial e manufatura avançada na cadeia de fornecedores do setor automotivo, incluindo máquinas agrícolas e rodoviárias autopropulsadas; c) aumento dos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação na cadeia de fornecedores do setor automotivo, incluindo máquinas agrícolas e rodoviárias autopropulsadas; d) fortalecimento da cadeia de ferramental e moldes destinados a produtos automotivos; e e) estímulo à produção de novas tecnologias relacionadas a biocombustíveis, segurança veicular e propulsão alternativa à combustão. Em setembro serão conhecidas as seis entidades escolhidas para tocar diversos projetos dentro desses programas.
Gostou? Então compartilhe: