Inovação é principal desafio do país, diz Laplane

Entrevista com o economista Mariano Laplane, presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE)

 

O setor privado assiste hoje a um fenômeno muito mais profundo do que a superação da crise econômica mundial, o da reestruturação total das cadeias produtivas. Essa é a avaliação do economista Mariano Laplane, presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), para quem está no retrovisor a imagem do mundo em que a oferta de bens e serviços está concentrada na Ásia e na Alemanha, enquanto a demanda fica em países como o Brasil.
 
"Há um entendimento muito claro de que é preciso duas coisas para implementar uma nova reorganização produtiva: sofisticar os métodos de produção e gestão, e concentrar as cadeias produtivas próximas ao mercado consumidor", diz Laplane ao Valor. "É isso o que as empresas que estão vindo ao Brasil estão pensando, que uma elite industrial nacional está começando a compreender e que o governo precisa coordenar", diz.
 
A principal missão de Laplane é agilizar os ganhos de gestão na máquina pública federal, junto ao governo, e das companhias privadas, com foco especial na indústria. "O Brasil não pode falhar. Este é o mote do ministro e a missão da presidente", afirma Laplane, em referência ao ministro Marco Antônio Raupp, de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), ao qual o CGEE é vinculado, e à presidente Dilma Rousseff.
 
"A inovação nos setores produtivos e na economia brasileira é o principal desafio da presidente", afirma o economista. Não à toa, diz ele, os principais programas e iniciativas do governo têm a inovação como centro: o Ciência Sem Fronteira, de envio de acadêmicos, mestres e doutores brasileiros ao exterior, o novo regime automotivo (2013-2017), que condiciona incentivos tributários à inovação tecnológica, e o Brasil Maior, que amplia as linhas de financiamento para pesquisa.
 
Desde que assumiu o CGEE, em julho do ano passado, Laplane já recebeu desde técnicos de outros ministérios, como Integração Nacional e Esporte, comitivas de empresários com planos de aproveitar a estrutura de pesquisa das universidades e institutos tecnológicos do país, e até integrantes de outros países, como África do Sul e Argentina. Todos em busca de estratégias para acelerar a inovação tecnológica.
 
Doutor em economia e em ciências sociais, Laplane é argentino e construiu sua carreira na academia - antes de assumir a liderança do Departamento de Economia da Unicamp (SP), Laplane passou pelas universidades de Buenos Aires (Argentina), Berkeley (EUA) e Jerusalém (Israel). No CGEE, Laplane comanda uma estrutura de 80 pessoas, sendo 43 técnicos. Para ele, as universidades são centrais no processo de inovação, mas a responsabilidade deve ser toda das empresas.
 
"Há um desequilíbrio no Brasil. Temos um braço de ciência e tecnologia muito forte, reconhecido internacionalmente, mas pequena capacidade de transformar esse conhecimento e pesquisa em inovação sobre bens e serviços, que possam ser vendidos com lucro ao empreendedor, e aumentar o bem-estar da população", avalia Laplane, para quem as empresas são o eixo das pesquisas. Ao Estado cabe criar as condições de competitividade e estímulo às empresas.
 
O presidente da CGEE elogia os esforços do governo na defesa comercial e na tentativa de evitar volatilidade da taxa de câmbio. Mas Laplane entende que é preciso expandir e sofisticar mais rapidamente o parque industrial nacional. Novos espaços para a exportação de manufaturados vão surgir conforme a Ásia migra para um modelo menos intensivo em exportações. Além disso, o mercado doméstico continuará forte. "Continuaremos incorporando ao mercado consumidor novas famílias, ao mesmo tempo que aqueles 30 milhões incorporados nos últimos anos vão sofisticar seu consumo", avalia.
 
Especialista em indústria, Laplane reconhece que há problemas no parque produtivo nacional, mas não vê desindustrialização. "Tenho profunda reserva quanto ao termo desindustrialização. O que vivemos hoje é uma fase diferente. Até bem pouco tempo atrás, a indústria estava ampliando fortemente a absorção doméstica (produção somada da importação) de bens de capital, investindo fortemente e contratando mão de obra. Não dá para dizer que estamos nos desindustrializando apenas por que a indústria perdeu fôlego nos últimos trimestres", avalia.
 
A saída para as dificuldades do setor passam pela inovação - visão compartilhada por Dilma, diz. "Seria terrível perder a melhor oportunidade em 30 anos para retomar o caminho da industrialização. A industrialização é o único caminho do desenvolvimento, todos que conhecem história econômica sabem disso. Talvez no futuro exista outro caminho para o desenvolvimento, com a colonização de outros planetas", diz Laplane, que defende as importações. "Para inovar, a indústria precisa importar o que não tiver aqui, e assim aprender a produzir no país. Isso é desenvolvimento."
 
Antes de assumir o CGEE, Laplane lecionou por 20 anos na Unicamp, onde se aproximou de dois economistas importantes para a formação da visão de mundo da presidente da República - Luciano Coutinho, o presidente do BNDES, e Luiz Gonzaga Belluzzo, interlocutor frequente do Palácio do Planalto. Indicado pelo ex-ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Aloizio Mercadante, para o cargo em Brasília, Laplane tem ampliado a coordenação entre o MCTI e os demais ministérios.
 
"Nosso trabalho é ajudar o governo federal e as empresas a pensar, formular e avaliar estratégias de desenvolvimento com foco na inovação. Não temos a pretensão de ter todas as respostas, precisamos é mobilizar técnicos do setor público e privado, estamos à disposição para discutirmos programas e métodos de gestão", diz Laplane.

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