Muito tem se falado sobre a transformação digital na indústria, mas nem sempre se fala dos desafios e obstáculos que as empresas do setor enfrentam para alcançar o nível de digitalização esperado. Neste tema, um fator frequentemente subestimado é a real capacidade financeira das empresas para implementar essa transformação de forma sustentável e estratégica. Afinal, a chamada Indústria 4.0 — marcada por automação, inteligência artificial, Internet das Coisas (IoT) e análise de dados — exige investimentos contínuos e planejamento de longo prazo a partir de uma base sólida de gestão financeira.
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, até 2023 apenas 18,9% das empresas industriais eram digitalizadas. O critério adotado era ter ao menos três das seis tecnologias consideradas mais relevantes para a transformação digital, que são: serviços em nuvem, ERP/CRM, Big Data, robôs de serviço, internet das coisas e inteligência artificial.
Os principais obstáculos para a digitalização são conhecidos: alto custo de implementação, escassez de mão de obra qualificada e, principalmente, dificuldade de acesso a recursos financeiros. A dura realidade da gestão de empresas é que a inovação não avança onde o caixa não respira. Assim, ainda que o crédito esteja disponível em linhas voltadas a projetos inovadores, muitas empresas não conseguem alcançá-lo por falhas estruturais em sua gestão financeira, com ênfase para as deficiências de contas a receber.
Desse modo, podemos dizer que a inadimplência B2B acaba atuando como uma âncora silenciosa no financiamento da inovação. Empresas que não conseguem recuperar seus créditos em tempo hábil perdem liquidez, comprometem sua capacidade de investimento e se veem tendo de adiar a adoção de novas tecnologias. Por esse viés, é aceitável dizer que falar de Indústria 4.0 no Brasil é discutir também a maturidade da gestão financeira.
Inovação depende de saúde financeira
A adoção de tecnologias como sensores conectados, robótica colaborativa e softwares preditivos não é um investimento simples nem barato. São projetos que exigem recursos e, acima de tudo, previsibilidade financeira. Para muitas empresas do setor industrial, a margem é estreita, e basta um fluxo de caixa inconsistente para adiar ou cancelar uma modernização estratégica.
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A liquidez funciona aqui como catalisadora da transformação. Porém, a experiência e a realidade nos mostram que as empresas se deparam frequentemente com grande parte de seus recursos em aberto com clientes inadimplentes, o que inviabiliza novos investimentos por falta de capital de giro. O problema não está apenas na obtenção de crédito externo, mas na recuperação eficiente do que já lhes pertence. Sem esse resgate, o avanço da digitalização não se sustenta.
Os dados da Serasa Experian sobre o aumento da inadimplência na indústria preocupam profundamente, pois sinalizam um obstáculo crescente para a tão necessária modernização do parque industrial brasileiro. O ano anterior terminou com 6,9 milhões de empresas inadimplentes, 300 mil a mais do que em 2023. Neste mesmo período, a taxa de inadimplência na indústria subiu de 7,5% para 8%. Esse dado é especialmente preocupante em um setor que normalmente trabalha com ciclos financeiros mais longos e que, portanto, sente mais os impactos de atrasos nos pagamentos a receber.
Reação em cadeia afeta digitalização
Isso cria um efeito cascata que afeta até os esforços de digitalização, pois esta instabilidade impacta ainda mais o apetite para o risco dos gestores. Sem confiança na entrada dos recebíveis, projetos de tecnologia passam a ser vistos como apostas incertas. Quando o risco de não receber supera o benefício potencial da inovação, as decisões estratégicas se tornam defensivas e o avanço tecnológico perde tração.
Mesmo quando há clareza estratégica sobre os benefícios da Indústria 4.0, a realidade das empresas brasileiras impõe algum filtro, com muitas indústrias enfrentando limitações práticas. Linhas de crédito específicas para inovação ainda exigem burocracia, garantias e histórico de gestão que nem todas as organizações conseguem atender. É isso o que nos leva a um outro ponto: a organização financeira como um diferencial competitivo. Se o crédito para inovação está disponível, por que tantas empresas não o alcançam? A resposta, como vimos, reside nas fragilidades da gestão financeira.
Empresas que mantêm um controle rigoroso sobre contas a receber, inadimplência e prazos médios de pagamento conseguem apresentar melhores condições para obtenção de crédito e sustentam seus investimentos com mais consistência. A realidade que surge a partir disso é que o futuro da Indústria 4.0 depende, em grande medida, da eficiência administrativa e da gestão financeira e do crédito.
Gestão de crédito como pilar da Indústria 4.0
Para mudar a realidade da falta de liquidez causada pela inadimplência é preciso adotar uma postura moderna na qual a recuperação de crédito não pode mais ser vista como ação reativa. Para ser eficiente, é preciso que se torne parte de uma sofisticada engrenagem de estratégia financeira — e, por extensão, de inovação.
Essa mudança parte da adoção de soluções inteligentes de cobrança, com uso de inteligência artificial e canais automatizados que permitam ter mais velocidade e assertividade na resolução de pendências, o que acaba se traduzindo em caixa disponível para inovação.
A indústria brasileira precisa acelerar sua transformação digital, mas isso só será possível com uma base sólida de maturidade financeira e previsibilidade de recursos. Não basta implementar tecnologias pontuais, é preciso garantir que os avanços sejam integrados, sustentáveis e em permanente atualização. Isso se alcança com uma gestão eficiente do fluxo de caixa, o que facilita o acesso ao crédito para investimentos em tecnologia e inovação.
*Imagem de capa: Depositphotos.com
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